Ela perambulava pela casa, com as pálpebras pressionadas pelos dedos gelados, tentando se lembrar de onde tinha deixado seus sapatos vermelhos na noite anterior. Ela chegara bêbada da festa de uma conhecida de uma prima do amigo do seu primo de terceiro grau e acompanhada, como sempre. Só isso podia explicar como ela tinha conseguido subir as escadas do seu prédio. Ele já se fora e ela sequer conseguia se lembrar da noite passada, porque mesmo que metade do mundo tivesse acabado, ela não se lembraria.
Pegou um copo de água na geladeira e encostou-o na testa, antes de perceber que seus sapatos estavam ali, jogados aos pés da mesa de jantar. Com um sorrisinho discreto, calçou os sapatos e voltou para seu quarto. Virou-se para o espelho e percebeu uma mulher de ressaca olhando para ela, com os olhos verdes inchados, um sorrisinho torto nos lábios e as bochechas rosadas, como sempre. Cortando o silêncio, seu telefone apitou duas vezes, e ela abriu-o. Uma mensagem de texto dizia que haveria um coquetel na casa do Dr. Não-sei-quem.
Ela se apressou em tomar um banho quente e demorado, arrumou o cabelo em um coque arrojado, passou um brilho nos lábios e um pouco de cor nos olhos. Abriu seu closet e entre tantos vestidos de festa, pegou dois. Estava indecisa entre um vestido preto e outro, vermelho. Experimentou os dois, e depois de tanto encará-los, acabou por decidir que o preto a deixava mais magra.
Correu para frente do espelho e se enfiou cuidadosamente dentro do vestido, tomando todo o cuidado para não desmanchar seu cabelo. Ajustou-o ao corpo e amarrou duas fitas que marcavam sua cintura; minutos depois, percebeu que um pequeno zíper mostrava suas costas numa abertura minúscula. Sorriu, como se um lampejo lhe dissesse que aquele mesmo zíper já tivesse dado trabalho alguma outra vez, e se contorceu para alcançá-lo. Sem sucesso.
Seus braços pequenos não tinham coordenação motora o suficiente para segurar o vestido apertado e subir o zíper de uma só vez. Suspirou e tentou novamente, mas o resultado foi o mesmo: o zíper continuava aberto.
Ela então voltou seus olhos para o espelho e finalmente percebeu que o ditado de que o espelho revela a verdade sobre alguém fazia o mais puro sentido. Atrás de si, paredes cobertas por quadros vivos e uma tinta claríssima parecia inanimado, com duas portas de madeira escura abertas, dando para araras e mais araras de roupas das mais famosas marcas. O sonho de qualquer mulher, logicamente. Mas, quando prestava atenção à pessoa do espelho, percebia uma mulher com ares de sucesso, olhos vivos, apesar da ressaca, e um cabelo perfeitamente bem-arrumado.
Mas o zíper do seu vestido estava completamente aberto.
Não havia ninguém ao seu lado que pudesse ajudá-la com o vestido, ou mesmo dizer se ele deixava-a mesmo mais magra. Ninguém. Por isso ela chegava quando o sol já vinha nascendo, e por isso também se afundava em uns drinques a mais. Isso aumentava sua coragem com os homens, que passavam a noite no seu apartamento e iam embora antes que ela acordasse. Não tinha ninguém que a chamasse para uma conversa e perguntasse sobre os problemas do trabalho, ninguém que se importasse com o seu café da manhã, ninguém que se importasse com o dia seguinte. Que saída ela tinha a não ser se importar com o hoje?
Duas lágrimas quentes escorreram pelo seu rosto. Ela chorou e não se importou com a maquiagem que manchava de preto todo o seu rosto, nem com o coque que ela desfazia com os dedos, nem com o vestido que ela tirava violentamente. Ela não se importava com mais nada, justamente porque ninguém se importava com ela.
domingo, 4 de julho de 2010
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9 comentários:
Confesso que quase terminei o texto com lágrimas nos olhos! Você escreve muito bem. Podemos curtir em uma parte da vida, entre baladas e amigos, mas uma ponta do nosso coração sempre vai querer o amor.
Beber, as vezes, faz tão bem, para esquecer certas coisas, pessoas e situações que não necessitam ser lembradas. bj
Tadinha cara, nossa senhora ): Lembrei de um livro que li esses dias com esse final, tadinha ):
beijos
Nossa que coisa linda, super emocionante.
Parabéns, ficou muito bom.
Kiss..
Forte, uma vida assim não vale a pena, de festas e bebedeiras, de muitas homens mas nenhum companheiro, não ter quem se importa com a gente deve ser muito ruim, e um preço que nem todas as noitadas do mundo paga. Muito bom texto.
Triste história,mas real para algumas mulheres.Elas se perdem em suas festas,curtiçõe e o que elas acham que valem á pena,mas chegam ao um ponto em que tudo isso,não vale á pena,e o que mais importa agora são coisas que ela deixou de lado,ou desistiu!
Bjs!
Nossa, gostei do final,e de como o simples detalhe do zíper fez ela se lembrar das mágoas q se esforçava para guardar dentro de si. Mt bom o texto! Ah, e eu já postei a continuação do meu conto lá no blog, bjo!
Ou seja, de nada adianta ter status, dinheiro e fama se não se tem amigos verdadeiros, pessoas que se importem, que dividam as coisas da vida conosco.
Belo post. Bem reflexivo.
Beijo, queridona.
Nossa, que forte :)
E é justamente isso, o que adianta ser bonitona, ter todo o dinheiro do amor se não tem o amor? Porque afinal,é o importa!!!!!
Ameeeeei *_*
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Beeijinhos!
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