terça-feira, 27 de julho de 2010

You Got Me

Uma tarde típica de outono. Jogada em uma poltrona, passava meus olhos rapidamente pelas linhas pequenas de um livro, quando a campainha soou duas vezes. Eu ergui meus olhos da página amarela e, olhando por sobre o livro, pude ver Clarisse largar o espanador em cima da mesa e correr a passos miúdos para atender a porta.
Voltei a minha atenção para o livro, porém alguns segundos depois a voz doce e rouca de Clarisse cortou o silêncio da sala e ela apareceu na porta, com as mãozinhas entrelaçadas na frente da barriga. Ela parecia nervosa.
- Senhorita Mavinelli, tem um moço que quer falar com a senhorita. Eu disse para ele esperar na porta, mas ele insistiu em entrar.
Eu fechei o livro e logo vi John aparecer atrás do corpo pequeno de Clarisse, que deu dois pulinhos quando percebeu sua presença e se apressou em pegar seu espanador e correr para o andar de cima.
Eu pulei da poltrona e corri para a porta da sala, meus olhos fuzilando o azul risonho dos olhos de John, meu rosto ficando cada vez mais vermelho a cada segundo.
- John, como você se atreve a voltar aqui? – ele sorriu como forma de desculpas e apoiou o lado do corpo no batente da porta. John era um vigarista, praticante de crimes de colarinho branco, completamente apaixonado por artes e um ótimo falsificador. John era um sacana, não passava de um galanteador barato. – Você é inacreditável... Vai dizer que se esqueceu que meu pai já foi alvo das suas tramoias por duas vezes? Saia daqui agora!
- Você sabe que estou tentando me redimir. – ele se abaixou e ergueu a calça para que eu pudesse ver uma tornozeleira cinza piscando. – É uma longa história, mas resumindo agora eu sou um consultor de um agente do FBI e até já capturei alguns falsificadores de renome.
- Ah. – eu sorri ironicamente e entrei na sala, sendo seguida de perto por John, que se jogou em uma poltrona, enquanto eu parava em pé ao seu lado. – Então você espera que eu confie em você depois de tudo o que você já fez, depois de ser usada por você para que você descobrisse os pontos fracos da segurança da minha própria casa para poder roubar meu próprio pai?
- Eu não espero isso. Não assim tão rápido.
- Você é John Alphaville! Vai me dizer que não fica tentado a roubar quadros como aquele quando vê um? – eu apontei a lareira e vi John se levantar vagarosamente e caminhar a passos largos até ela, os olhos fixos em quatro senhoras que sorriam. Sem dúvida aquela pintura era o xodó do meu pai.
Ele ficou ali por alguns segundos e então se virou, sorrindo.
- Você sabe que sim, mas também sabe que eu não farei isso de novo.
- Eu não sei.
- Você sabe, Em. – ele se aproximou e uma de suas mãos acariciou a linha do meu maxilar. Eu fechei meus olhos, tentando evitar a armadilha azul dos seus olhos. – Você tem medo de acreditar, porque já acreditou uma vez e eu não fui capaz de te dar o devido valor.
Eu abri meus olhos e o azul dos seus olhos estavam sondando cada uma das minhas reações. Eu suspirei e abaixei a cabeça, fitando a tornozeleira na sua perna.
- Eu prometo que será diferente dessa vez.
- E como eu posso saber, John?
- Infelizmente, você não pode. – dizendo isso, suas mãos ergueram meu queixo e seus lábios quentes se colaram aos meus. Seus lábios tinham um peculiar gosto de madressilvas e... mudança, uma vontade de querer mudar o passado que eu nunca sentira antes em outros beijos. Aquele, dentre tantos outros sabores que eu já provara, era a melhor coisa que já tinha sentido na minha vida.

Sweethearts! Aos que assistem White Collar, provavelmente viram o meu Neal nessa cena, né? Pois é, isso saiu depois da season premiere da segunda temporada e eu simplesmente gostei e resolvi postar. Aos que não assistem, não sabem o que estão perdendo; em tão poucos episódios, já se tornou um dos meus seriados favoritos!

* o moço da foto é o Matt Bomer, que coincidentemente interpreta Neal Caffrey em White Collar. Ele é meu, dica. -qq

** alguém viu minha inspiração por aí. Estou preocupada, porque não consigo escrever mais nada e, bom, da última vez que isso aconteceu eu simplesmente abandonei o CDC. Mas não, dessa vez será diferente!

Agora chega de tagarelar, see ya! xxx

quinta-feira, 22 de julho de 2010

You’ve Got a Friend in Me

Ela tinha os olhinhos miúdos e um espanador de penas na mão, que ela passava lentamente por toda a extensão do seu gigantesco e velho guarda-roupa. No pequeno espelho colocado do lado de dentro de uma das portas do mesmo, uma senhora de setenta e poucos anos, vestida em um vestido bordado por pequenas e delicadas borboletas, óculos de meia-lua e olhos cansados observava sua própria imagem. Seus olhos foram da imagem no espelho para as gavetas. Ela puxou a segunda e começou a revirar as caixas de sapato que guardavam fotografias velhas, algumas roupinhas de bebê que pertencera aos seus três filhos, cartas que trocara com seu falecido marido quando ainda namoravam... Lembranças. Cheia de uma nostalgia que esmagava seu velho coração, ela empurrou a gaveta e estava prestes a remexer na terceira, quando percebeu um envelope lacrado jogado no chão. Provavelmente estava no meio de todas aquelas coisas que remexera segundos atrás. Seus dedos finos agarraram-no e, surpresa, ela percebeu que ele ainda estava fechado. Rasgou o papel envelhecido pelo tempo e, de dentro, puxou um papel de carta azul dobrado em duas partes.

Querida Lucy,

Abra seus olhos, aperte meus dedos e encare através das cortinas grossas que cobrem a janela do seu quarto. Você vê? Há luz do lado de fora da sua janela! E mesmo que não houvesse, acho que você já deve saber que eu estaria ao seu lado para segurar seus braços caso você tropeçasse na escuridão ou então tivesse medo demais para encarar a noite completamente sozinha. Ou então talvez você quisesse ficar em casa, com os olhos colados na parede pensando em tudo que pode acontecer à sua vida. Eu também estaria lá, porque na verdade eu sempre estive aqui por você, você sempre esteve aqui por mim, nós sempre estivemos aqui pela nossa amizade e não há nada maior que isso!
Nada mais clichê, nada mais verdadeiro.
Talvez o destino resolva brincar com as nossas caras e, um dia, resolva separar nossos caminhos. Quem sabe? Eu não sei o que faria sem você. Realmente sinto que o chão se abre sobre meus pés e nada parece certo quando penso nessa possibilidade, mas a vida tem essas pegadinhas. Você sabe disso. Se isso realmente acontecer, eu espero que você guarde todas as lembranças em uma gaveta esquecida e escondida da sua memória, para que nunca a perca. Nunca. Porque cada sorriso, cada conselho, cada lágrima, cada abraço, cada brincadeira, cada momento que passamos juntos se tornou um tesouro. Talvez o destino nos pregue uma peça no futuro, mas precisamos prometer que temos total controle das nossas memórias, porque nelas estaremos vivos eternamente. Afinal, prometemos um ao outro no alto de nossos nove anos de idade que seríamos eternos! Você se lembra?

Com muito amor e carinho,
Do seu eterno amigo
Dean

Suas mãos tremiam quando ela tornou a dobrar a carta e enfiá-la dentro do envelope. Dean, o melhor amigo que qualquer pessoa do mundo todo podia ter, escrevera-lhe uma carta antes de ir para a guerra, porém ela nunca recebera. Justamente por isso sempre achara que ele não se importara com ela quando decidiu partir e nunca mais voltar.
Ela tirou os sapatos e deitou-se vagarosamente sobre a cama feita, com o envelope apertado entre seus dedos frágeis, as mãos postas sobre o peito e algumas lágrimas teimosas presas no aro dourado dos seus óculos.
- Dean, meu querido amigo, talvez tenha chegado a hora de finalmente nos reencontrarmos...

* Pauta para o Sílaba Tônica
* Carta inspirada na música Light Outside – Wakey!Wakey!

domingo, 18 de julho de 2010

Menina de Sonhos

Já cansei de ouvir, por todos os caminhos que eu sigo, que quando se sonha alto demais, o choque de uma possível queda machuca equivalentemente à altura dos seus sonhos. Algumas vozes transbordando cuidado e carinho pediam para que eu tentasse ao menos relar a ponta dos meus pés no chão, cortar a ponta das minhas asas feitas de azul e poesia. As vozes querem o meu bem, eu sei disso.
Eu ouço tais palavras, eu realmente ouço, e tento com todas as minhas forças pousar em terra firme, onde a vida é feita de realidade. Onde não há espaço para os meus sonhos. Eu piso em terra firme e por um momento sinto a minha realidade longe demais, como outra dimensão. Eu sinto saudades, mas as vozes voltam a sussurrar conselhos. Os mesmos conselhos.
Eu sigo esse caminho alternativo, dessa vez sobre meus próprios pés. Há espinhos que machucam a pele sensível, mas também há rosas que perfumam e enfeitam o caminho. Há os dois lados de uma moeda que eu não conhecia, já que na dimensão de sonhos não havia dificuldades. Havia sempre o feliz para sempre no final de um livro, o pote de ouro no final de um arco-íris.
Eu suspiro e, quando menos espero, já não tenho mais os pés colados na terra molhada e os machucados causados pelos espinhos parecem borrões na memória. Um passado distante. Eu estou voando novamente, a brisa lambendo meus cabelos e os raios de sol aquecendo todo o meu corpo.

As vozes calaram-se. Talvez estejam cansadas de avisar sobre os problemas que os sonhos demasiadamente grandes podem causar, talvez eu tenha escolhido não ouvi-las mais. As vozes podem ter razão, eu sei. Porém, uma voz interna que não se faz ouvir para mais ninguém, grita para mim que os sonhos são os empurrões para que eu siga minha vida. Para que eu tente mais uma vez, se eu caí na primeira ou vigésima tentativa. Um incentivo, como o doce dado pelo dentista no fim de uma consulta. Ela grita e a voz é feita de sinos dourados. "Não se pode deter uma garota feita de sonhos."

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Here Comes Goodbye

Eu tinha as pernas encolhidas e meus braços finos abraçavam-nas, enquanto lágrimas escorriam incansavelmente pelo meu rosto pálido. Você estava com uma expressão de dor enquanto pegava suas camisas e jogava dentro de uma mala aberta em cima da cama. Mesmo estando do outro lado do quarto, conseguia sentir seu corpo todo se contraindo para não chorar. Não ali, na minha frente. Você não queria parecer fraco.
Poucos minutos depois, você pegou seu casaco de couro pendurado atrás da porta e fechou o zíper da mala em um movimento único, rápido. Apertou a alça da mala entre seus dedos e saiu do quarto sem dizer nenhuma palavra, e eu precisei pular da poltrona onde estava e agarrar seu braço para impedir que você fosse antes que eu dissesse qualquer coisa que pudesse, ao menos, amenizar a situação. Infelizmente nem todas as palavras do mundo eram capazes de fazer isso.
- Ryan, por favor... – seus olhos azuis estavam mais duros do que nunca e quando você lançou-os sobre mim, tive vontade de fugir. As lágrimas ainda escorriam soltas pelo meu rosto e meu coração parecia se contorcer dentro do peito.
- Mandy. – você puxou seu braço e eu encolhi minha mão, como uma criança amedrontada. Abracei meus próprios ombros e tentei fugir dos seus olhos, fitando seus tênis surrados. – Eu não preciso mais ouvir que a culpa de você não me amar com a mesma intensidade com que eu te amo não é sua, até porque eu já me acostumei com essa ideia. É a verdade. Você não manda no seu coração, da mesma maneira que eu não mando no meu, porque se tivesse essa autoridade, imploraria a ele que esquecesse seu jeito amável de bagunçar meus cabelos e seus olhos castanhos indecifráveis. Imploraria que ele esquecesse você; com certeza esse aperto terrível que eu sinto na garganta não existiria. Não vou mais viver como alguém que só espera um novo amor. Eu preciso correr atrás de um grande e novo amor, mesmo sabendo que você foi a única mulher que eu realmente gostaria de chamar de minha. Eu não posso mais esperar o amor e a felicidade me encontrarem aqui, porque isso não vai acontecer se eu não correr atrás delas. E é exatamente isso que eu estou fazendo agora.
Um sorriso torto e pesaroso se espalhou pelos seus lábios grossos e logo eu vi as costas da jaqueta de couro se afastando pouco a pouco de mim, descendo as escadas vagarosamente, em direção à porta. Uma sensação de culpa e arrependimento tomava conta do meu corpo, mas eu sabia que o certo estava finalmente acontecendo. Eu não podia mais prendê-lo a mim, sendo que meus pensamentos ainda estavam presos em outro alguém.
- Ele não vai voltar, Mandy. Nunca mais. Adeus. – você sussurrou essas palavras por sobre seu ombro como se me contasse um segredo e, depois de seus dedos ponderarem alguns segundos sobre a maçaneta, você abriu a porta e saiu.


* Pauta para o Sílaba Tônica

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Waking Up in Vegas

Mandy jogou suas malas no porta-malas do carro e colocou seus óculos de sol extravagantes. Um sorriso gigantesco se espalhava pelos seus lábios e assim que entrou no carro, cruzou as pernas e virou-se para mim e Claire, que se inclinou para frente no mesmo instante.
- E então, querida? Pronta para aproveitar seu último final de semana de solteira com suas melhores amigas em V-e-g-a-s? – Claire saltitou de alegria no banco de trás e Mandy me encarava com as sobrancelhas arqueadas. Eu respirei fundo, lembrando que Stefan só não implicara com a minha viagem porque também estava indo exatamente agora para sua despedida de solteiro. Bahamas. Quem sabe o que poderia acontecer lá? Sibilei um "seja o que Deus quiser" e virei a chave do conversível no contato. O motor rugiu e eu enfiei o pé no acelerador, rumo à Las Vegas. Quem diria?
Chegamos à cidade das luzes, capelas de casamento e caça-níqueis em algumas poucas horas e eu mal podia acreditar quando deixamos as malas no hotel e saímos para a tão falada noite de Las Vegas. Mandy sorria maliciosamente no banco do conversível e Claire dizia o tempo inteiro que tinha somente uma chance de ficar rica e ela não podia perdê-la de maneira alguma. Paramos no primeiro cassino que encontramos e Mandy logo me arrastou para o bar, enquanto Claire corria a passos miúdos para o lado dos caça-níqueis. Mandy pediu duas doses de conhaque e empurrou um copo para mim quando o barman entregou-lhe a bebida. Eu chacoalhei a cabeça e ela gargalhou, empurrando o copo para mim:
- Vê isso, amiga? – ela abraçou meus ombros e me virou para olhar o salão do cassino. - É Vegas, é nosso sonho se realizando! Ou já se esqueceu que um dos seus maiores sonhos era ter a despedida de solteira com suas melhores amigas aqui? Vamos, beba!
Eu ri e virei o copo, sentindo a bebida descer rasgando pela minha garganta. Não pude controlar uma careta e ela riu, dizendo que esse era o espírito da "coisa" toda. Claire veio para o nosso lado alguns copos de conhaque depois, dizendo que aquele cassino não estava lhe dando sorte. Pediu um drink de abacaxi sem álcool ao barman e sorriu, batendo seu copo de encontro ao meu.
- Só esse e logo iremos para outro clube. Eu dirijo, até porque vocês já estão bem loucas. A noite é uma criança e quem sabe o que pode acontecer?
...
Um raio de luz invadia o quarto de hotel e eu tapei os olhos com as mãos, sentindo minha cabeça rodopiar. Virei a cabeça para meu lado esquerdo e encontrei Claire abraçada a três pacotes de dinheiro, um sorriso tonto nos lábios e a roupa completamente suja de lama. Apoiada no criado mudo, cambaleei para fora da cama e percebi que não teria muito trabalho em encontrar Mandy. Ela estava jogada no sofá branco, enrolada nos braços do barman que encontramos no primeiro cassino. Ele estava vestindo apenas uma sunga verde-limão e ela tinha a roupa completamente encharcada, a cabeça escondida nos ombros do barman e um pequeno anel de doce se destacava no seu dedo anelar fino e branco. Eu ri e tropecei em um par dos scarpins de Claire, fazendo com que Mandy acordasse em um pulo. O barman musculoso nem se mexeu.
Ela virou o rosto para mim, se apoiou sobre os cotovelos e beijando os lábios do barman adormecido, tirou o anel de doce do dedo e indicou o meu dedo anelar. Nele, brilhava um arco dourado de latão.
- Ai meu Deus! – eu encarei o anel no meu dedo e ergui os olhos para minha amiga. – Mandy, o que e-xa-ta-men-te aconteceu?
- Não se preocupe, amiga. – ela virou os olhos para a direita e só então eu percebi um homem jogado no corredor do quarto. Ele era irmão gêmeo do barman que dormia sob o corpo de Mandy e tinha o mesmo anel de latão no dedo. – Pelo menos a sua "aliança" não é de doce.
Eu ri e percebi que Claire também já estava acordada, sentada na cama com as pernas dobradas e os três pacotes de dinheiro sob o colo. Seus olhos brilhavam e quando eu perguntei da onde saira aquele dinheiro, ela desconversou e disse que só importava o que ela faria com ele agora.
- Ei, Caroline, relaxa. – Mandy deitou a cabeça no peito do barman e sorriu, fechando os olhos. – O que acontece em Vegas, simplesmente fica em Vegas, com exceção do meu affair com o barman.


Espero que gostem, escrevi inspirada em uma vontade que eu realmente tenho: Vegas! Tudo nessa cidade me encanta e eu tenho certeza que um dia ainda a conhecerei. :)
É isso gente, até o próximo post! xxx

domingo, 4 de julho de 2010

Brand New Eyes

Ela perambulava pela casa, com as pálpebras pressionadas pelos dedos gelados, tentando se lembrar de onde tinha deixado seus sapatos vermelhos na noite anterior. Ela chegara bêbada da festa de uma conhecida de uma prima do amigo do seu primo de terceiro grau e acompanhada, como sempre. Só isso podia explicar como ela tinha conseguido subir as escadas do seu prédio. Ele já se fora e ela sequer conseguia se lembrar da noite passada, porque mesmo que metade do mundo tivesse acabado, ela não se lembraria.
Pegou um copo de água na geladeira e encostou-o na testa, antes de perceber que seus sapatos estavam ali, jogados aos pés da mesa de jantar. Com um sorrisinho discreto, calçou os sapatos e voltou para seu quarto. Virou-se para o espelho e percebeu uma mulher de ressaca olhando para ela, com os olhos verdes inchados, um sorrisinho torto nos lábios e as bochechas rosadas, como sempre. Cortando o silêncio, seu telefone apitou duas vezes, e ela abriu-o. Uma mensagem de texto dizia que haveria um coquetel na casa do Dr. Não-sei-quem.
Ela se apressou em tomar um banho quente e demorado, arrumou o cabelo em um coque arrojado, passou um brilho nos lábios e um pouco de cor nos olhos. Abriu seu closet e entre tantos vestidos de festa, pegou dois. Estava indecisa entre um vestido preto e outro, vermelho. Experimentou os dois, e depois de tanto encará-los, acabou por decidir que o preto a deixava mais magra.
Correu para frente do espelho e se enfiou cuidadosamente dentro do vestido, tomando todo o cuidado para não desmanchar seu cabelo. Ajustou-o ao corpo e amarrou duas fitas que marcavam sua cintura; minutos depois, percebeu que um pequeno zíper mostrava suas costas numa abertura minúscula. Sorriu, como se um lampejo lhe dissesse que aquele mesmo zíper já tivesse dado trabalho alguma outra vez, e se contorceu para alcançá-lo. Sem sucesso.
Seus braços pequenos não tinham coordenação motora o suficiente para segurar o vestido apertado e subir o zíper de uma só vez. Suspirou e tentou novamente, mas o resultado foi o mesmo: o zíper continuava aberto.
Ela então voltou seus olhos para o espelho e finalmente percebeu que o ditado de que o espelho revela a verdade sobre alguém fazia o mais puro sentido. Atrás de si, paredes cobertas por quadros vivos e uma tinta claríssima parecia inanimado, com duas portas de madeira escura abertas, dando para araras e mais araras de roupas das mais famosas marcas. O sonho de qualquer mulher, logicamente. Mas, quando prestava atenção à pessoa do espelho, percebia uma mulher com ares de sucesso, olhos vivos, apesar da ressaca, e um cabelo perfeitamente bem-arrumado.
Mas o zíper do seu vestido estava completamente aberto.

Não havia ninguém ao seu lado que pudesse ajudá-la com o vestido, ou mesmo dizer se ele deixava-a mesmo mais magra. Ninguém. Por isso ela chegava quando o sol já vinha nascendo, e por isso também se afundava em uns drinques a mais. Isso aumentava sua coragem com os homens, que passavam a noite no seu apartamento e iam embora antes que ela acordasse. Não tinha ninguém que a chamasse para uma conversa e perguntasse sobre os problemas do trabalho, ninguém que se importasse com o seu café da manhã, ninguém que se importasse com o dia seguinte. Que saída ela tinha a não ser se importar com o hoje?
Duas lágrimas quentes escorreram pelo seu rosto. Ela chorou e não se importou com a maquiagem que manchava de preto todo o seu rosto, nem com o coque que ela desfazia com os dedos, nem com o vestido que ela tirava violentamente. Ela não se importava com mais nada, justamente porque ninguém se importava com ela.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Heart

Eu respirei fundo, apontei a arma para seus olhos molhados e tranqüilos e apertei o gatilho. O estampido ecoou pela casa quase vazia e fez meu coração martelar dentro do peito.

A sala de estar parecia morta, se não fosse pela respiração pesada de Dean, que estava a poucos passos de mim. Ele disse que faria aquilo se eu quisesse, mas eu chacoalhei a cabeça e peguei a arma que estava em cima do aparador de mogno, munido com uma bala de prata. Ela pedira, minutos atrás, que eu fizesse aquilo e eu só podia acatar seu ultimo pedido, mesmo que aquilo dilacerasse meu coração.

Eu sequei duas lágrimas que escorriam pelo meu rosto, apertei a coronha entre meus dedos e me virei para a porta entreaberta do quarto de Madison. Empurrei-a cuidadosamente e encontrei a porta ensaguentada e cheia de arranhões do armário escancarada, os lençóis da cama de casal desarrumada e Madison, sentada na beira da cama com as mãos dobradas sobre o colo e os olhos grudados no chão. Ela ergueu o rosto para mim quando percebeu minha presença e sorriu. Nesse momento, eu senti que não poderia e não deveria fazer aquilo.
Eu estava prestes a tirar a bala de prata do tambor da arma que eu tinha em mãos e correr para aninhá-la em meus braços, quando ela se levantou, sobressaltada, e apontou a porta do armário com os olhos. Um sorriso mínimo se desenhou nos seus lábios finos e eu tive vontade de beijá-la novamente.
- Sam, olhe aquilo. Eu fiz aquilo. Uma bala de prata no coração da aberração e você estará salvando várias vidas. Por favor.
- Madison...
- Não, Sam. – eu desviei o olhar e ela se aproximou um pouco mais, colocando as mãos geladas no meu rosto e obrigando-me a encará-la. Seus olhos eram lindos e sorriam para mim. – Eu sou um lobisomem, eu fiz aquilo com a porta do armário e também eu fiz esses dois arranhões no seu rosto. Eu poderia ter te matado. Você tem que acabar com isso, você tem que me matar, para evitar que outras pessoas morram. Por favor, querido.
Eu olhei sob o seu ombro e vi um facho de luz iluminando o lençol bagunçado e os travesseiros jogados na cama de Madison, onde uma noite antes eu dormira com ela. Um nó se formou na minha garganta e cenas confusas disparavam pela minha mente: suas mãos acariciando meu rosto, seu sorriso iluminado, o toque da sua boca na minha...
- Sam. – sua voz despertou meus devaneios e eu percebi que suas mãos não estavam mais sobre meu rosto. Ela se afastara uns cinco passos e agora tinha as mãos enfiadas no bolso da calça jeans descontraidamente, como se estivesse na rua esperando alguém. Ela sorriu e eu pude perceber que uma lágrima brilhava no canto dos seus olhos. – Faça, querido.

Eu respirei fundo, apontei a arma e...

**

Inspirado em um episódio com esse mesmo nome da segunda temporada de Supernatural. Quem já assistiu, deve se lembrar. Espero que tenham gostado e desculpas pela ausência, não estava tendo tempo para postar. Mas agora é férias e eu tenho todo o tempo do mundo *o* Pelo menos por um longo e adorável mês. :*